Análises

bell hooks: a construção de uma pedagogia emancipatória

Nascida em 1952 nos Estados Unidos (EUA), Gloria Jean Watkins, adotou o nome bell hooks, propositalmente escrito em letras minúsculas, em homenagem à sua avó materna, Bell Blair Hooks. Formada em literatura inglesa pela Universidade de Stanford, bell hooks escreveu dezenas de livros abordando temas como raça, classe e gênero. A autora, que possui uma perspectiva pós-moderna, é também professora, feminista e ativista social. Seu pensamento foi fortemente influenciado pela obra de Paulo Freire.

Em sua obra “Ensinando a transgredir – a educação como prática da liberdade”, logo nas primeiras páginas, bell hooks relata um pouco da sua infância e da sua experiência na chamada escola segregada. A autora explica que no sul dos EUA, durante o arpartheid, as meninas negras tinham apenas três opções na vida: o casamento, o serviço como empregada doméstica ou poderiam ser professoras. Nenhuma das alternativas, entretanto, era contemplada por bell hooks. O sonho que cultivou desde jovem foi o de ser escritora. Ser professora significava apenas o meio essencial para a manutenção da vida, apenas um serviço necessário para o suprimento de suas necessidades.

Em relação às escolas segregadas, a autora discorre acerca do método pedagógico aplicado no processo de ensino e a relação estabelecida entre as professoras e os alunos negros. De acordo com bell hooks, as professoras negras mantinham o compromisso com uma prática pedagógica posicionada contra o racismo, articulada às vivências e experiências dos alunos, orientada a edificação da raça e ao desenvolvimento da intertextualidade das crianças negras. Com a integração racial, entretanto, as escolas para negros tornaram-se coisa do passado. 

Nas escolas de brancos, o conhecimento restringiu-se ao acúmulo de  informação, o ensino não estava mais comprometido com a luta antirracista, o desejo de aprender cedeu lugar para a necessidade da obediência. Nestas escolas, a dinâmica exercida em sala de aula, pelos professores brancos, reforçava os estereótipos racistas e não possuía qualquer vínculo com a ideia de  liberdade. 

A universidade, por sua vez, simbolizava uma prisão para bell hooks, um ambiente tedioso, de castigo, reclusão, cuja principal lição era a obediência à autoridade. Um lugar  distante da promessa e das possibilidades de emancipação. A autora também faz uma crítica a educação bancária, a qual fundamentava-se no “pressuposto da memorização de informações e sua posterior regurgitação representam uma aquisição de conhecimentos que podem ser depositados, guardados e utilizados numa data futura” (pág 14). Apesar dos inúmeros desafios, empecilhos e obstáculos a formação crítica, anticolonial, feminista e antirracista, bell hooks acreditava na possibilidade de se construir um ensino alicerçado na concepção de liberdade, de emancipação e de coletividade. Um ensino recheado de entusiasmo e até mesmo diversão.

bell hooks, assim como Paulo Freire, criticava a estrutura de ensino que deposita no professor a total responsabilidade no processo de ensino. Para ambos pensadores, o ensino funciona como uma via de mão dupla, ou seja, o processo de aprendizagem é construído entre professores e alunos, considerando suas experiências de vida, suas particularidades, subjetividades e a diversidade manifestada na raça, classe social, no modo de vivenciar a sexualidade, na nacionalidade, etc.

Ao encontrar a obra de Paulo Freire, hooks constatou que o conhecimento pode ser sim libertador. Encontrou em Freire, um baluarte que lhe fortaleceu a crença na construção de conhecimento pautado na liberdade. E usou o autor para criticar as limitações das salas de aula feministas. bell hooks afirma que Paulo Freire foi um pensador fundamental para a construção de uma linguagem política, de uma identidade na luta contra o patriarcado, racismo e as opressões impostas aos povos colonizados.

Para Paulo Freire a conscientização não é um fim em si mesmo, mas deve estar atrelado a uma práxis significativa. Uma mudança de atitude pode ser significativa para um povo colonizado. “Gosto quando ele fala da necessidade de tornar real na prática o que já sabemos na consciência” (Pág 68).

Há um sexismo da linguagem de Paulo Freire, assim como há também em outros pensadores, outros líderes políticos e intelectuais do terceiro mundo, que hooks não deixou de observar enquanto realizava a leitura de suas obras. Consiste, afirma a autora, em um paradigma falocêntrico da liberdade, na qual a liberdade e experiência masculina patriarcal estão ligadas como se fossem a mesma coisa. Isso representa um ponto cego em autores com uma visão profunda acerca da realidade.Entretanto, o próprio modelo de pedagogia libertadora acolhe a crítica ao sexismo observado por hooks  na obra de Paulo Freire. Apesar das críticas a Freire, a obra nunca deixou de ser importante para hooks, pois representou um afago para alguém que se encontrava na condição de ser colonizado, marginalizado e buscando meios para romper com a lógica vigente.

Referências:

HOOKS, bell. Ensinando a transgredir – a educação como prática da liberdade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.

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